quarta-feira, 30 de abril de 2014

Desenquadrados do ambiente

Os atletas olímpicos portugueses Nélson Évora e Francis Obikwelu afirmam terem sido vítimas de racismo por lhes ter sido negada a entrada numa discoteca de Lisboa onde pretendiam festejar o aniversário do primeiro. “É uma vergonha! Disseram-nos que havia demasiados pretos no grupo. Estamos em 2014! Nunca passei por uma situação destas”, desabafou Obikwelo enquanto o presidente do Conselho de Administração do Grupo a que pertence a discoteca Urban Beach se defende dizendo que o porteiro não permitiu que duas pessoas entrassem porque “estavam desenquadradas do ambiente” habitual da discoteca.

Desenquadradas do ambiente. É, naturalmente, uma boa maneira de se vedar a entrada a alguém. Sobretudo se for preto, como é o caso de Nélson Évora, português de origem cabo-verdiana, e de Francis Obikwelu, português de origem nigeriana. Pouco importa se representam Portugal nos Jogos Olímpicos; pouco importam se aí ganham medalhas em nome de Portugal. Podem não estar desenquadrados nos Olímpicos, mas estão-no na Urban Beach. Porque são pretos. E ainda por cima aparecem em grupo…

Portugal (e o resto do Mundo, claro) está ainda muito longe de reconhecer os mesmos direitos a todos os cidadãos. É certo que nunca houve escolas ou autocarros para brancos e outros para pretos, mas o racismo existe. Com o passar dos anos, há uma tendência para aceitar a diferença (pode ser a cor, a orientação sexual, a religião…), mas de vez em quando aparecem uns urban bitches quaisquer com comportamentos que são condenáveis há muito. Eu diria mesmo, desde sempre.

Os próprios atletas que agora se afirmam vítimas têm um discurso digno de registo. Obikwelu diz que “primeiro até reagimos bem, quando nos disseram que eram demasiados pretos no grupo. Depois percebemos que era a sério e protestámos, porque até tínhamos feito uma marcação”. A meu ver, o racismo é sempre inaceitável, com ou sem marcação, mas isso sou eu que digo, porque o Francis, aparentemente, pensa de forma diferente.

A denúncia deste e de outros casos permite sensibilizar a sociedade para as injustiças. É o único lado bom (?) desta triste história.

sábado, 26 de abril de 2014

Até sempre, Tito!

O mundo do Futebol está de luto. Tito Vilanova, antigo treinador do Barcelona, faleceu ontem, vítima de doença prolongada.

Não há muito a dizer sobre Vilanova que não tenha sido já dito ou escrito nas últimas 24 horas, mas o 30 Metros não quer deixar de prestar uma última homenagem a um Homem sem inimigos que representou tudo o que o Futebol tem de melhor: desportivismo, paixão e devoção. 

Até sempre, Tito!

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Palavras para quê?

Os castigos aplicados a Jorge Jesus e a Sérgio Conceição, fizeram-me lembrar aquele anúncio antigo da pasta medicinal Couto. Ambos os técnicos foram punidos pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol por terem saído da área técnica e entrado no retângulo de jogo.

Pelo mesmo motivo, os senhores do Conselho de Disciplina aplicaram um castigo de 39 euros (trinta e nove, não é gralha) ao treinador do Benfica. O da Académica foi castigado com 20 dias de suspensão e 1.500 euros de multa.

Como dizia o anúncio: palavras para quê?

sábado, 12 de abril de 2014

Oportunidade de negócio

Em virtude de um processo pouco claro que envolve o Arouca e a Câmara Municipal, o clube que este ano se estreou na I Liga vai ser obrigado a receber os seus adversários fora de casa até ao final do campeonato. Os arouquenses vêem-se assim obrigados a jogar em Aveiro, primeiro com o Benfica, já amanhã, e depois com o Gil Vicente, na jornada 29.

O conflito entre o Arouca e a autarquia aparece na pior altura para o clube e para a população local que estaria a esta hora a fazer contas à visita do Benfica, sobretudo, facto que seria inédito e que por certo mobilizaria a sociedade civil e o comércio local. É pena que o jogo tenha de ser deslocado mais de 50 quilómetros – muitas pessoas que gostariam de ir ver, não poderão fazê-lo. Mesmo se o Arouca tem a manutenção praticamente garantida, esta seria uma oportunidade única para muita gente ver o Benfica, ainda por cima num jogo que pode marcar a consagração dos encarnados como campeões nacionais.

Acredito que a direcção do Arouca não esteja muito preocupada: afinal, o litígio com a Câmara constitui uma “oportunidade de negócio”, porque o Municipal de Aveiro vai ter a lotação praticamente esgotada, garantindo uma receita muitas vezes superior àquela que o clube obteria se recebesse o Benfica no seu estádio. 

Como fenómeno de massas, o Futebol passou a ser aquilo que muitos consideram uma indústria. Era uma inevitabilidade, por muito que custe ao adepto comum. Ontem, as direções de clube queriam atrair espetadores aos estádios, para garantir receitas. Hoje, salvo casos muito excepcionais, como a visita de um Benfica a um qualquer Arouca, as receitas são conseguidas através da venda dos jogos à televisão, pouco importando se isso retira espetadores dos estádios. E, no entanto, os espetadores faziam parte do espetáculo, alegravam-no, e pagavam-no. 

Antigamente era assim. Hoje, o papel que é reservado aos espetadores é bem mais passivo e resume-se, quase exclusivamente, ao pagamento de uma mensalidade a canais de televisão por cabo.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Telhados de vidro

O treinador da Académica, Sérgio Conceição, insurgiu-se contra José Couceiro por este se ter referido ao bracarense Luís Ferreira que arbitra o jogo desta noite entre a equipa de Coimbra e o Vit. Setúbal. “Ele [Couceiro] tem todo o direito de se manifestar. Eu, por exemplo, apanhei 20 dias de castigo. Cada um expressa-se da maneira que entende, mas ao dizer que não tem nada contra os árbitros e respeita a Académica, entra em contradição, pois não mostrou muita sensibilidade e respeito por nós, falando indiretamente no jogo da jornada seguinte, entre o Vit. Setúbal e o Sp. Braga”, acusa Sérgio Conceição, acrescentando “não ser correto que se fale de arbitragem antes dos jogos”.

Gosto de Sérgio Conceição. Já o disse algumas vezes e não me cansarei de o repetir. No pior momento da época, escrevi aqui que, acontecesse o que acontecesse nos jogos seguintes, ele seria o meu treinador até ao fim. O seu desempenho posterior confirmou que é o melhor treinador que a Académica pode ter. Vive o clube por dentro, identifica-se com ele, exulta com as vitórias e chora as derrotas. 

No caso de José Couceiro, Sérgio Conceição terá provavelmente razão, mas tem, igualmente, memória curta. Ainda há dias foi inconveniente e desrespeitoso para com o Casa Pia, em declarações proferidas depois de ter perdido na Luz, com o Benfica. Em linguagem popular, pode dizer-se que o jovem técnico academista tem telhados de vidro e deveria evitar atirar pedras.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

O capitão e a braçadeira

Havia apenas uns segundos de jogo. Na tentativa de desfazer uma jogada que poderia tornar-se perigosa para a sua baliza, Sílvio e Luisão, olhos na bola, pontapeiam-se mutuamente. Do lance, sai mais contundido o português, receando-se desde logo que tenha sido vítima de lesão grave. 

A equipa médica entra em campo e o veredicto não tarda – a substituição tem de ser feita. Sílvio abandona o campo de maca, lavado em lágrimas. André Almeida aquece e espera autorização para entrar. Luisão, entretanto, recuperara. Aproxima-se de Sílvio, põe-lhe uma mão sobre o peito durante alguns segundos, faz-lhe uma festa com a outra mão e diz-lhe algumas palavras.

- Coragem, pá, vamos ganhar por ti! – Pode ter sido o que Luisão disse a Sílvio, mas só eles, provavelmente saberão. Independentemente das palavras, foi o gesto que mais importou. Luisão foi capitão, muito menos pela braçadeira que envergava no braço esquerdo do que pelas palavras de conforto e carinho que disse ao colega.


Em bicos de pés

Um estudo de opinião realizado pela Eurosondagem e publicado na edição de ontem do Diário de Notícias, revela que 42,4 por cento das pessoas considera que o Benfica tem sido a equipa mais beneficiada pelas arbitragens durante a época 2013/14. F.C. Porto, com 31,8 por cento e Sporting, com 10,8 por cento vêm logo a seguir. A soma perfaz um total de 85 por cento de pessoas que julgam terem sido os três grandes os clubes mais beneficiados pelos erros das arbitragens. Se acrescentarmos os 12,9 por cento de pessoas que não sabem ou não responderam à sondagem, o total eleva-se a 97,9 por cento, deixando apenas 2,1 por cento de pessoas que acreditam terem sido outros os clubes beneficiados.

Os números são esmagadores, não deixam dúvidas e confirmam a teoria de que os árbitros, quando erram, favorecem sempre os mais fortes. Mas, do estudo da Eurosondagem, há outras ilações a tirar. A mais interessante de todas, parece-me, tem a ver com a pergunta “Quem tem sido para si o melhor treinador da Liga 2013/14?”. Leonardo Jardim, com 30 por cento de respostas é o treinador mais vezes indicado, seguido de Marco Silva, com 22,3 por cento. Jorge Jesus, treinador do Benfica, que lidera o campeonato confortavelmente, não consegue melhor do que o terceiro lugar, com 20,8 por cento das respostas. Manuel Machado, Nuno Espírito Santo e Luís Castro vêm a seguir, mas já com percentagens abaixo dos dois dígitos.

O facto de o presumível treinador campeão não ser melhor do que terceiro, dá que pensar. Estará o Benfica a tornar-se naquele F.C. Porto onde qualquer “cabo de vassoura” era campeão? A comparação é pouco simpática para Jorge Jesus, sem dúvida um treinador competente. Cremos que os fracos resultados obtidos nesta sondagem têm a ver com o seu comportamento extradesportivo e não tanto com o seu desempenho. O treinador do Benfica gere a sua carreira como muito bem entende, mas não tenho dúvidas que ganharia muito mais (e o próprio clube também) se adotasse uma postura mais humilde e fosse menos vaidoso e fanfarrão.

Jorge Jesus não precisa pôr-se em bicos de pés. Só alguém que não tem tamanho para chegar a algum sítio precisa pôr-se em bicos de pés. Jorge Jesus tem e o seu currículo fala por si.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Bela crise!

A vitória sobre o Rio Ave foi mais um passo para o título de Campeão que só a Matemática ainda não reconhece ao Benfica. Mas, passo a passo, encarrega-se de confirmar outras coisas e uma delas não é de somenos importância: a quatro jornadas do final, o F.C. Porto ficou afastado do título. Desde 1975/76 que os dragões não ficavam tão cedo arredados da disputa pelo primeiro lugar. Data dessa época o início do trabalho de Pinto da Costa no Departamento de Futebol e foi nessa altura que o F.C. Porto começou a preparar o bi-campeonato de 1977/78 e 1978/79 e a hegemonia que, desde então, tem tido sobre o Futebol português e que levaram à conquista de 22 Campeonatos.

Que o F.C. Porto não seja Campeão é uma notícia quase tão invulgar como a vitória do Benfica. Mas se a vitória dos encarnados é justa (justíssima, até), não é menos verdade que o F.C. Porto começou cedo a dar facilidades aos seus opositores. Antes mesmo de a equipa começar a colecionar derrotas em campo, foi o seu presidente, como aqui escrevi em junho do ano passado, que foi incapaz de garantir condições para que a clube continuasse a ganhar. A saída de Vítor Pereira, treinador que conseguiu resultados extraordinários na I Liga (em dois anos perdeu apenas um jogo, numa partida que correu mal ao F.C. Porto e ainda pior à equipa de arbitragem) e, sobretudo, de João Moutinho, abalaram a equipa que nunca mais se recompôs.

Estará Pinto da Costa em final de linha? Do Dragão dizem que não, mas as dúvidas são cada vez mais persistentes. E não é só Pinto da Costa – é toda a estrutura profissional do clube que falha, como se viu na rábula da inscrição de Ricardo Quaresma, contratado, convocado para jogar e desconvocado porque a inscrição, afinal, não tinha sido processada atempadamente. O que me levou a dizer, aqui também, que se calhar o F.C. Porto já não é o que era, porque às falhas no campo, da exclusiva responsabilidade da equipa técnica e dos jogadores, somava-se aquela falha de “gestão administrativa”.

No próximo defeso seguirei com muita atenção a escolha da equipa técnica e a formação do plantel azul e branco. Talvez Pinto da Costa e seus pares sejam capazes de tirar da cartola o coelho de que o clube precisa, mas o último ano não augura nada de bom. E, paradoxalmente, a Taça de Portugal, a mal-amada Taça da Liga e a Liga Europa ainda podem vir enriquecer as vitrinas do F.C. Porto. A Supertaça, essa, já lá mora. 

Bela crise!

terça-feira, 8 de abril de 2014

O alargamento para 18 clubes é precipitado?

A Liga de Clubes anunciou ter aceitado a candidatura do Boavista à próxima edição do campeonato, depois de aprovar toda a documentação apresentada pelos boavisteiros, em particular os requisitos financeiros. Fica assim confirmado o alargamento de 16 para 18 clubes no campeonato da próxima época. Se a reintegração do Boavista na Liga dá cumprimento a uma questão legal – independentemente de a justiça ter sido feita ou não – parece-me extemporâneo o anúncio do alargamento.

O Boavista desceu “administrativamente” à II Liga em 2008, condenado por coação sobre árbitros no âmbito do processo “Apito Dourado”. Seguiram-se seis anos a disputar a II Liga, a II Divisão B e, já esta época, o Campeonato Nacional de Seniores. Em Portugal, o Futebol é o que é (e a Justiça) e a reintegração foi entretanto imposta pelos tribunais e passou a depender apenas de os boavisteiros cumprirem os tais requisitos financeiros. Coisa que, aparentemente, foi agora feita.

Mas nenhum tribunal “decretou” o alargamento. Isso já foi obra da Liga e da Federação Portuguesa de Futebol. Que poderão muito bem ter-se precipitado na decisão.

Há tempos, apareceu nos jornais a notícia de uma investigação, levada a cabo pela Polícia Judiciária, sobre o eventual suborno a jogadores da Naval 1º de Maio e do Santa Clara. A PJ conclui que vários jogadores daqueles clubes terão sido aliciados para facilitarem a subida do Moreirense à Liga. Como consequência, o Ministério Púbico acusou de corrupção o filho do presidente do Moreirense, um vice-presidente do clube e três futebolistas. Os factos remontam a 2011/12, foram noticiados há cerca de um ano, mas, desde então, nada mais veio a público. 

Atualmente, quando faltam cinco jornadas para o campeonato da II Liga terminar, o Moreirense lidera a Liga de Honra e, se o campeonato terminasse agora, subiria de divisão (com o Penafiel). Com a vantagem de que dispõe, é muito provável que a equipa de Moreira de Cónegos volte ao convívio dos grandes no próximo ano.

Mas: recordo que a pena prevista para a prática de corrupção é a descida de divisão. Não sei se o caso que envolve o Moreirense está encerrado e se foram afastadas todas as suspeitas que incidiam sobre os seus dirigentes. Mas era bom que as coisas fossem esclarecidas o quanto antes, porque pode estar a admitir-se na Liga um clube que virá a ser penalizado com a despromoção. Se isso acontecesse – e eu sei que o “se”, aqui, tem um peso muito grande – o Boavista poderia pura e simplesmente tomar o lugar do Moreirense e a Liga continuar com apenas 16 clubes, que muitos consideram ser já um número exagerado para o nosso país.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

O doping e a viciação de resultados

Nos últimos dias veio a lume a possibilidade de um Zenit S. Petersburgo – Vit. Guimarães, a contar para a Liga Europa de 2004/05 ter tido o resultado viciado. A denúncia foi feita por um antigo jogador da equipa russa, que avançou que elemento do plantel teria pago três mil dólares para subornar o árbitro. Os russos venceram por 2-1.

A questão da viciação de resultados não é nova, mas é, naturalmente, difícil de provar. Nos últimos anos têm sido dados como provados alguns casos de suborno, sobretudo em Itália e em vários países do leste europeu. Em Portugal, desde o longínquo (1959) caso Inocêncio Calabote – cuja fama sobreviveu até hoje sem que alguma vez tenha sido evidenciada a culpabilidade do árbitro eborense – até aos mais recentes episódios do “Apito Dourado”, poucos casos de compra de resultados foram provados. Se calhar, os mais mediáticos foram o que levou à extinção do Riopele, o que envolveu a Sanjoanense e o Paços de Brandão (venceram os seus jogos por 32-0 na última jornada do distrital de Aveiro, em 1986/87 quando ambos precisavam de marcar muitos golos para ficar um à frente do outro) e o caso do Famalicão – Macedo de Cavaleiros, de que o Fafe beneficiou para ascender à I Divisão, em 1988/89. O árbitro algarvio Francisco Silva foi apanhado com um cheque cuja proveniência não soube explicar no preâmbulo de um Penafiel – Belenenses, António Guímaro, de Coimbra, também foi apanhado, tal como o presidente do Leça, Manuel Rodrigues.

É meia-duzia de casos quando anualmente se disputam milhares de jogos para dezenas de competições. Claro que um único caso de resultado viciado é um caso a mais, mas não se pode dizer que o suborno (a árbitros ou a jogadores) seja moeda corrente no Futebol, pelo menos casos provados.

No entanto, no Record de hoje, o presidente Centro Internacional da Segurança no Desporto, entidade que zela para segurança e integridade do desporto, Mohammed Hanzab, afirma que “jogos combinados são já uma praga pior do que o doping”. Acho interessante a comparação e concordo com a afirmação.
Já aqui escrevi muitas vezes que a melhor forma de combater o doping é descriminaliza-lo. Por paradoxal que pareça à primeira vista, o insucesso do programa anti-dopagem fica demonstrado de cada vez que um atleta é apanhado (se todos tomarem as mesmas coisas, deixa de fazer sentido tomá-las e serão sempre os melhores a ganhar). Lembro-me sempre do desabafo de Joaquim Agostinho de uma das vezes que acusou positivo: “tomo o que todos tomam…” disse aos jornalistas. E disparou: “Vão lá vocês subir os Alpes a comer bife e batatas fritas”.

Claro que as coisas estão hoje muito mais refinadas do que no tempo de Agostinho. Lance Armstrong só foi apanhado muitos anos depois de começar a dopar-se, mas Mohammed Hanzab também diz que “o match fixing utiliza tecnologia muito desenvolvida”…

Se a questão do doping ficaria resolvida com a sua despenalização, já quanto à fixação de resultados sou de opinião diferente. Caso contrário, o Futebol passaria a ser exclusivamente um espetáculo, ao melhor estilo da Luta (Wrestling), totalmente desprovido da componente competitiva e em que os espetadores se deslocam aos estádios sabendo antecipadamente quem vai vencer.

Além da sua beleza estética, foi a incerteza dos resultados que fez com que o Futebol se tenha afirmado como modalidade desportiva capaz de arrastar milhões. Se é certo que as melhores equipas ganham mais vezes, as equipas teoricamente mais fracas utilizam as armas que têm e, muitas vezes, acabam por conseguir vitórias heróicas. E disso, a história está repleta de exemplos, desde a eliminação do Sporting dos Cinco Violinos por um Tirsense da III Divisão, ao Campeonato da Europa ganho por uma mão cheia de dinamarqueses em férias. Retirar aos adeptos a incerteza do resultado, porque este é previamente decidido por alguém, é matar o Futebol.

domingo, 6 de abril de 2014

República das Bananas

Foi esta semana anunciada a suspensão de 60 dias aplicada ao presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, por críticas à arbitragem. A 28 de setembro, comentando as incidências do Benfica-Belenenses, o presidente do clube da Luz disse que “para não ver um fora-de-jogo daqueles, o árbitro ou é cego ou não tem competência”. Sem que se fique a saber se o árbitro era, afinal, uma coisa ou outra, a Comissão de Disciplina da FPF decidiu suspender o dirigente. Que tenha levado seis-meses-seis para tomar uma decisão sobre as declarações de Luís Filipe Vieira é caso para dizer que a justiça federativa é lenta ou não tem competência.

A suspensão aplicada ao líder do Benfica impede-o, entre outras coisas, de discursar em qualquer ocasião na qualidade de presidente, assim como de conceder entrevistas. A notícia é boa em si: durante dois meses, o ar andará menos poluído, isento das atoardas de Luís Filipe Vieira. Diria o mesmo de qualquer outro dirigente de clube, porque, como já aqui defendemos, a maioria dos presidentes não são flor que se cheire.

Mas o castigo ao presidente do Benfica levanta a questão da liberdade de expressão, conquistada vai fazer 40 anos. É uma das mais preciosas conquistas do 25 de abril e está garantida na Constituição da República. No capítulo dedicado a Direitos, liberdades e garantias pessoais, o artigo 37º da lei fundamental diz claramente que “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações”. A Constituição acrescenta que “o exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura”.

Que o Futebol português tenha as suas próprias leis, ainda dou de barato. Que essas leis contrariem a lei fundamental do País é que não aceito, porque estaríamos numa República das Bananas. Nesse sentido, faz bem Luis Filipe Vieira em reclamar (embora com fundamentos diferentes) do castigo que lhe foi aplicado. Mesmo que continue a poluição sonora com os seus dislates.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Não perca os próximos capítulos

A Assembleia Geral que os clubes da Liga pretendiam realizar esta tarde, e que se transformou em simples reunião numa bomba de gasolina porque a sede do organismo tinha sido encerrada é mais um capítulo do anedotário em que se tornou o Futebol português. As imagens dos dirigentes a protegerem-se da chuva sob um toldo da estação de serviço, revela bem que a qualidade do Futebol jogado dentro das quatro linhas é incomparavelmente superior à dos seus dirigentes.

Desengane-se quem pensava que já tinha visto de tudo. Um porco a andar de bicicleta? O que é isso, comparado a 16 ilustres presidentes de clubes, reunidos numa bomba de gasolina porque a organização a que pertencem não lhes permite entrar na sede? Filme-se o ato e tirem-se fotografias, arrolem-se testemunhas e comunique-se o caso ao livro Guinness, que o recorde do ridículo voltou a ser batido.

Os clubes contestatários, que pretendem dar guia de marcha presidente da Liga, Mário Figueiredo, foram proibidos de entrar nas instalações do organismo. Ficou assim adiado, mais uma vez – era a quarta tentativa – o saneamento.

Para o presidente da Académica, José Eduardo Simões, que tem servido de porta-voz dos reclamantes, "isto é o limite da baixeza. Não sei se haverá ainda um limite inferior para a baixeza e indignidade, tendo em conta as pessoas que mandam na Liga", afirmou. Vai ver que há. É só esperar os próximos capítulos.

A núvem por Juno

Um grupo de adeptos, identificados como simpatizantes do Sporting, criou recentemente o movimento “Basta” que iniciou um conjunto de manifestações de protesto relativamente à arbitragem e aos supostos erros de arbitragem que têm prejudicado a equipa de Alvalade. Do protesto à arruaça, foi um pequeno passo que os dinamizadores do grupo não hesitaram dar. Em poucos dias, aquilo que poderia ser visto como uma iniciativa para promover a moralização do Futebol português, transformou-se em mais do mesmo: desordem, desacatos e violência, que acabam por retirar ainda mais adeptos dos estádios.

Faço desde já a minha declaração de interesses – sou terminantemente contra a existência de grupos organizados no seio ou na esfera dos clubes. Incluindo, necessariamente, as claques, que, de todo, não fazem falta ao Futebol. O que faz falta são adeptos. O Futebol não faz sentido sem eles, mas sem claques continua a ter toda a sua razão de ser.

Desde sempre que as claques dos principais clubes europeus, incluindo, naturalmente, os portugueses foram associadas a movimentos de extrema-direita. Essas ligações existem, foram largamente comprovadas e deixam naturalmente preocupadas as pessoas que vêem o Futebol pelo Futebol, que apoiam os seus clubes sem outras motivações além de vê-los ganhar e, com isso, retirar alguma satisfação do espectáculo. 

Ignoro se o movimento “Basta” tem alguma ligação a esses grupos radicais que semeiam o pânico por onde passam. Ignoro, mas não confio. Como confiar num grupo cujos responsáveis aparecem em público de cara tapada – alguns, diga-se, para que não se tome a nuvem por Juno – e armam a confusão com o lançamento de petardos?

Os adeptos do Sporting têm razão em sentir-se prejudicados pelas arbitragens. Isso eu dou de barato, é mais ou menos consensual. Mas o clube perde toda e qualquer autoridade moral para protestar se, em seu nome, um grupo de energúmenos faz crescer o perigo de violência nos campos de Futebol e em volta deles. Acresce que, como aqui sempre defendi, entre “prejuízos” e “benefícios”, as coisas têm tendência para equilibrar-se no final do campeonato. Que o diga a Académica cujos responsáveis andaram durante semanas a dizer que eram a única equipa da Liga sem grandes penalidades a favor e, de repente, no domingo passado, teve duas no jogo com o Olhanense.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Mão pesada

A FIFA, entidade que regula o Futebol mundial, proibiu o Barcelona de inscrever jogadores devido a ilegalidades cometidas na contratação de jogadores estrangeiros menores de idade. O clube catalão foi ainda multado em 370 mil euros e a federação espanhola em 410 mil euros. 

Para um clube de topo, a decisão, assume particular importância, uma vez que a renovação do plantel, que acontece praticamente todos os anos, será impossível de realizar antes de junho de 2015. É claro que o Barcelona vai recorrer para o Tribunal Arbitral de Desporto, que até pode vir a dar-lhe razão, mas a mensagem é clara e contrasta de maneira flagrante com aquilo que se passa no nosso país: com a FIFA não se brinca. 

Em Portugal vive-se um regime de quase impunidade desportiva, onde quase tudo é permitido ou passível de penas que, de tão pequenas, nem a simbólicas chegam – são apenas ridículas. Veja-se, a propósito, a multa de 383 euros aplicada ao F.C. Porto no caso do atraso no jogo com o Marítimo, para a Taça da Liga. Outro exemplo, também no campo desportivo, mas no Voleibol, é o do Atlântico da Madalena, que faltou a um jogo nos Açores porque as despesas de deslocação da equipa seriam na ordem dos 5.000 euros enquanto a multa por falta de comparência não ultrapassaria os mil.

Não tendo eu, qualquer formação jurídica, entendo que as penas previstas em caso de infração não são suficientemente elevadas – tantos as monetárias quanto as outras, quaisquer que sejam – para terem um necessário efeito dissuasor. Se esse efeito dissuasor não existir, é sinal de que o crime compensa. E lá se vai a moralidade e a justiça.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Tolerância zero

Na sequência do sururu provocado no domingo passado por Ricardo Quaresma, a Liga fez uma repreensão ao avançado do F.C. Porto. Quaresma foi igualmente multado em 77 euros (setenta e sete, por extenso, para que não haja dúvidas) devido a um cartão amarelo que lhe foi mostrado por simulação.

Só há uma palavra para qualificar o Regulamento Disciplinar da Liga de Clubes: Ridículo. Que outra coisa dizer de um regulamento que prevê uma repreensão a um jogador que desata a correr em direção a um adversário, certamente com vontade de lhe “fazer a folha”, que empurra colegas e adversários que o impedem de concretizar as suas intenções e que injuria quem lhe aparece pela frente? Que mais poderíamos dizer de um regulamento – o mesmo regulamento – que prevê um jogo de suspensão para um jogador que vê dois cartões amarelos por retardar o jogo?

Recordo o que aqui escrevi na véspera da segunda jornada da Liga, em setembro, dando um caso concreto: “Dramen foi expulso por acumulação de cartões amarelos. Por duas vezes tentou impedir a marcação de faltas pelo adversário; Pawel Kieszek foi expulso com vermelho direto por ter agredido à cabeçada um jogador adversário. Ambas as situações foram bem avaliadas pelos árbitros, que fizeram o que tinham de fazer e os regulamentos determinam. Agora, pergunto: como podem os jogadores ter castigo idêntico? Dois amarelos que não resultam de qualquer falta grave “valem” o mesmo que uma agressão à cabeçada? Afinal, a violência compensa?”

Os regulamentos disciplinares têm, forçosamente, de distinguir as faltas leves das faltas violetas. E não tolerar, de forma alguma, estas últimas.

Voltando a Ricardo Quaresma: a sua conduta foi violenta e configura, na minha opinião, comportamento condenável por injúrias e tentativa de agressão física. Para isso, o meu grau de tolerância é zero.

terça-feira, 1 de abril de 2014

Regresso a casa

Nuno Gomes, o avançado que vestiu a camisola do Benfica durante 12 anos, voltou hoje ao clube da Luz. O goleador, que decidiu prolongar a sua carreira de futebolista no Sp. Braga depois de proscrito por Jorge Jesus, não jogava desde a época passada, após uma passagem pelo Blackburn, de Inglaterra. O seu regresso ao Benfica, noutras funções, era questão de tempo.

Alegra-me que Nuno Gomes volte ao clube a quem dedicou tantos anos. Sempre gostei dele como jogador: um pouco trapalhão, por vezes, mas de uma terrível eficácia, tanto no Benfica como na Seleção de Portugal. Na sua última época no Benfica, em 2010-11, participou apenas em seis jogos para um total de 53 minutos – e marcou quatro golos. Na memória fica aquele que marcou, salvo erro contra a Naval, no último minuto de jogo, e que dedicou ao pai, que falecera há pouco.

O regresso de Nuno Gomes ao Benfica inscreve-se numa política que os encarnados têm seguido nos últimos anos de manterem ligados ao clube algumas das suas velhas glórias. Aliás, creio que pode dizer-se que, a esse nível, o Benfica é o clube mais “respeitador da memória”. Tem sido esse o caminho escolhido por Luís Filipe Vieira, que nos merece, por isso, o maior respeito. Pena é que presidentes de outros clubes não sigam o exemplo.