A forma como a imprensa noticia um acontecimento condiciona
os leitores e leva-os a interpretar os factos de maneira, por vezes, completamente
diferente e mesmo oposta. Se cada jornal, com o seu próprio estatuto editorial,
apresenta a atualidade sob o seu ponto de vista, é natural que isso influencie
o modo como cada leitor interpreta a informação que lhe é transmitida. O
destaque com que se valoriza uma determinada ocorrência, pode amplificar a
importância da ocorrência propriamente dita e a amplificação (ou omissão) de um
acontecimento tem quase sempre por base uma escolha editorial que tanto pode
ser óbvia como subliminar.
Vejamos um caso concreto que nos é dado pela imprensa de
hoje. O Record, que dedica três quartos da capa à vitória do Benfica em Guimarães,
consagra o outro quarto ao empate do F.C. Porto no terreno do Estoril Praia,
destacando, acima de tudo que houve “Violência na Tribuna – Adelino Caldeira
agride presidente da AFL”. Aquilo que é dado como certo na capa – a agressão de
um dirigente portista – é menos certo na página 16, onde o assunto é
desenvolvido em meia página. Aí, faz-se fé numa “testemunha que não se quis
identificar” e reproduzem-se declarações de suposto agredido. No final do artigo,
assinado por Miguel Amaro e Miguel Pedro Vieira, dá-se uma informação que é
totalmente omitida na capa: “No final da partida, foram os dirigentes portistas
a dizer a Nuno Lobo que iam tomar providências por terem sido provocados pelo
líder da AFL”.
O jornal ter destacado em primeira página a pretensa
agressão de um e omitido a suposta provocação do outro é uma escolha editorial
que o bom do leitor pode questionar. Tal como pode questionar a razão pela qual
o mesmo assunto é abordado no Jornal de Notícias em apenas oito linhas, nas
páginas interiores, e com uma nuance importante: o JN noticia que “o presidente
da AFL diz que foi agredido”. O
sublinhado é nosso, claro.
Os mesmos jornais, Record e Jornal de Notícias, têm também
tratamento diferente para um caso que envolveu o treinador do Benfica no jogo
que os encarnados disputaram em Guimarães. Se, na capa, o JN publica que “Nervoso,
Jorge Jesus envolve-se em rixa com a Polícia no final do jogo”, acompanhado por
uma pequena imagem onde se vê o treinador envolto em agentes policiais, o
Record omite pura e simplesmente o caso na capa, remetendo-o para as páginas
interiores
Ou seja: o Record valorizou a “violência” na Amoreira e
desvalorizou o caso Jesus; o JN valorizou a “rixa” em Guimarães e desvalorizou
a “agressão” na Amoreira. Coincidência? Nada disso: cada jornal viu os mesmos
acontecimentos de um ângulo diferente, aquele que tem a ver com a escolha
editorial de cada um, e relata-os à sua maneira, orientando os respetivos leitores
de acordo com essa escolha.
É por isso que eu, no que diz respeito a jornais, não
embarco em futebóis. Compro-os (hoje, além daqueles dois, também comprei o I),
leio-os, mas dou-lhes o crédito que merecem: pouco.