terça-feira, 24 de setembro de 2013

Pontos de vista

A forma como a imprensa noticia um acontecimento condiciona os leitores e leva-os a interpretar os factos de maneira, por vezes, completamente diferente e mesmo oposta. Se cada jornal, com o seu próprio estatuto editorial, apresenta a atualidade sob o seu ponto de vista, é natural que isso influencie o modo como cada leitor interpreta a informação que lhe é transmitida. O destaque com que se valoriza uma determinada ocorrência, pode amplificar a importância da ocorrência propriamente dita e a amplificação (ou omissão) de um acontecimento tem quase sempre por base uma escolha editorial que tanto pode ser óbvia como subliminar.

Vejamos um caso concreto que nos é dado pela imprensa de hoje. O Record, que dedica três quartos da capa à vitória do Benfica em Guimarães, consagra o outro quarto ao empate do F.C. Porto no terreno do Estoril Praia, destacando, acima de tudo que houve “Violência na Tribuna – Adelino Caldeira agride presidente da AFL”. Aquilo que é dado como certo na capa – a agressão de um dirigente portista – é menos certo na página 16, onde o assunto é desenvolvido em meia página. Aí, faz-se fé numa “testemunha que não se quis identificar” e reproduzem-se declarações de suposto agredido. No final do artigo, assinado por Miguel Amaro e Miguel Pedro Vieira, dá-se uma informação que é totalmente omitida na capa: “No final da partida, foram os dirigentes portistas a dizer a Nuno Lobo que iam tomar providências por terem sido provocados pelo líder da AFL”.

O jornal ter destacado em primeira página a pretensa agressão de um e omitido a suposta provocação do outro é uma escolha editorial que o bom do leitor pode questionar. Tal como pode questionar a razão pela qual o mesmo assunto é abordado no Jornal de Notícias em apenas oito linhas, nas páginas interiores, e com uma nuance importante: o JN noticia que “o presidente da AFL diz que foi agredido”. O sublinhado é nosso, claro.

Os mesmos jornais, Record e Jornal de Notícias, têm também tratamento diferente para um caso que envolveu o treinador do Benfica no jogo que os encarnados disputaram em Guimarães. Se, na capa, o JN publica que “Nervoso, Jorge Jesus envolve-se em rixa com a Polícia no final do jogo”, acompanhado por uma pequena imagem onde se vê o treinador envolto em agentes policiais, o Record omite pura e simplesmente o caso na capa, remetendo-o para as páginas interiores

Ou seja: o Record valorizou a “violência” na Amoreira e desvalorizou o caso Jesus; o JN valorizou a “rixa” em Guimarães e desvalorizou a “agressão” na Amoreira. Coincidência? Nada disso: cada jornal viu os mesmos acontecimentos de um ângulo diferente, aquele que tem a ver com a escolha editorial de cada um, e relata-os à sua maneira, orientando os respetivos leitores de acordo com essa escolha.

É por isso que eu, no que diz respeito a jornais, não embarco em futebóis. Compro-os (hoje, além daqueles dois, também comprei o I), leio-os, mas dou-lhes o crédito que merecem: pouco.


domingo, 22 de setembro de 2013

Memória de elefante

Na conferência de imprensa de lançamento do Vit. Guimarães – Benfica, de logo á tarde, o técnico encarnado recusou comentar novamente a maneira como a sua equipa perdeu a Taça de Portugal da época passada, frente ao adversário desta noite.

“Se for para falar do passado, também tinha que recordar quando lhes ganhámos por 4-0” – disse Jorge Jesus.

O treinador do Benfica fez mal em não falar desse jogo que ganhou aos minhotos. É que, se da final da Taça toda a gente se recorda, desses 4-0, só Jorge Jesus parece ainda lembrar-se.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Piloto automático

Contrariando uma tendência dos últimos anos, segundo a qual quem saía não voltava a entrar, o médio Nuno Piloto regressou à Académica após uma ausência de quatro anos. Surpreendentemente, a tendência já havia sido quebrada com o regresso de dois outros jogadores, no início da época: Ivanildo e Diogo Valente também voltaram a Coimbra depois de ausências mais ou menos prolongadas.

Durante anos, parecia haver uma maldição sobre quem saía da Académica. Recordo apenas dois casos de jogadores que quiseram voltar e viram as portas fechar-se: João Tomás, academista confesso, tinha o sonho de terminar a carreira no seu clube. Fez várias tentativas para voltar, mas a direcção nunca acedeu às suas pretensões. E todos sabemos como teria dado jeito, em certas ocasiões, ter alguém na área, com faro pelos golos, como tinha o João Tomás que é, certamente, o ponta-de-lança português mais goleador da última década.

Outro exemplo dessa “maldição” era o próprio Nuno Piloto. Tal como João Tomás, o médio foi formado na Académica, onde, inclusivamente, tirou um curso superior. Não devemos engar-nos ao dizer que deve ter sido o último jogador profissional da Académica a obter o “canudo”. Depois de uma época em Chipre – onde se lesionou com gravidade – Piloto quis regressar e ligou a um alto dirigente da Académica a quem deu conta disso. “Espera um telefonema nosso”, ter-lhe-ão dito. A chamada nunca aconteceu.

Por ter sido um dos últimos jogadores-estudantes e, além disso, ter sido capitão de equipa, quando regressou pela primeira vez a Coimbra, ao serviço do Olhanense, Nuno Piloto foi longamente saudado pela Mancha Negra, aos gritos de “salta, Nuno, salta, Nuno, olé”. Deve pois ter sido com agrado que a massa adepta da Briosa recebeu a notícia de que o seu antigo jogador tinha voltado a casa. Eu, pelo menos, fiquei muito contente com isso: é um símbolo da Académica, uma referência da mística coimbrã como não havia outro no plantel desde há quatro anos. E a Académica precisa de quem perpetue essa mística, porque já não há manos Campos, nem Gervários, nem Rochas, nem Pedros Romas, nem outros, que foram terminando as suas carreiras sem haver sucessores. O último tinha sido precisamente Nuno Piloto.

Não me interessa o quanto vale Nuno Piloto como jogador. Como referência da mística da Académica, eu promovia-o automaticamente a capitão de equipa.

sábado, 7 de setembro de 2013

Portugal jogou desfalcado

Portugal venceu a Irlanda do Norte por 4-2 e deu mais um passo na caminhada para a Fase Final do Campeonato do Mundo de Futebol. Parece que a exibição não foi grande coisa, mas Cristiano Ronaldo marcou por três vezes e arrumou a questão.

Vibrei, como sempre, com a vitória da Seleção. Mas hoje, confesso, os ouvidos estavam na Irlanda e o coração estava noutro local. Porque enquanto o Hélder Postiga era expulso e filho da D. Dolores marcava golos, eu não podia deixar de pensar que Portugal estava a jogar desfalcado.

Por vezes, o Futebol faz-nos esquecer as agruras da vida. Mas nenhuma vitória consegue atirar para segundo plano o drama dos incêndios e a tragédia da perda de vidas.

Contra a Irlanda, oito Heróis faltaram à chamada:Ana Rita Pereira (24 Anos, Alcabideche), António Nuno Ferreira (45 Anos, Miranda do Douro), Bernardo Cardosa (18 Anos, Carregal do Sal), Bernardo Figueiredo (23 Anos, Estoril), Cátia Dias (23 Anos, Carregal do Sal), Daniel Falcão (25, Anos, Miranda do Douro), Fernando Reis (50 Anos, Valença) e Pedro Rodrigues (40 Anos, Covilhã).

domingo, 1 de setembro de 2013

Amanhã como será?

Comprei a edição de hoje do L’Équipe, provavelmente o melhor jornal desportivo do mundo. É um jornal “à antiga”, grande formato, loge do formato tablóide que é atualmente utilizado pela esmagadora maioria dos jornais. A primeira página é completamente dedicada a Teddy Riner, jovem francês de 24 anos que obteve, no Rio de Janeiro, o seu sexto título de Campeão do Mundo de Judo (na categoria de mais de 100 quilos). Além da capa, completa, sublinho, também as páginas dois e três são inteiramente consagradas ao Judo.

O Futebol surge na página quatro e ocupa as restantes páginas do primeiro caderno, que tem um total de 12. Uma dessas páginas é dedicada a Josip Skoblar, lembram-se dele? Avançado jugoslavo (agora, croata), é o recordista de golos marcados, 44, numa época no principal campeonato francês e teve passagem por Portugal, como treinador do Famalicão… No segundo caderno, mais duas páginas de Futebol, uma de Ciclismo, duas e meia de Rugby, e ainda espaços alargados para Atletismo, Canoagem, Automobilismo, Motociclismo. Basquetebol, Andebol e Ténis. Voleibol, Hóquei no Gelo, Ginástica Rítmica, Equitação, Remo, Golfe, entre outras modalidades, completam o ramalhete.

Nem uma palavra para o Sporting – Benfica que ontem ameaçou parar Portugal e que hoje mereceu 15 páginas no Record.

Mas o que eu estou mesmo mortinho para ver é o destaque que amanhã a imprensa portuguesa dará a Emanuel Silva e João Ribeiro, portugueses que hoje se sagraram Campeões do Mundo de Canoagem em K-2 500.

Arma Secreta

A grande surpresa do jogo de ontem entre Sporting e Benfica foi ver Óscar Cardozo sentado no banco, ao lado de Jorge Jesus. Avançado e treinador anda(va)m desavindos desde, pelo menos, o jogo da final da Taça de Portugal, que o Benfica perdeu para o Vit. Guimarães. No final da partida, Óscar Cardozo empurrou ostensivamente Jorge Jesus e acusou-o de ser o grande culpado pela derrota. Desde então, o treinador não fez nada – publicamente – para amenizar a questão que se arrastou durante quase três meses até ser anunciada a imposição de uma multa avultado ao avançado paraguaio. Entretanto, o clube mostrava-se incapaz de vender o jogador, impedido de utilizar as instalações do clube.

Pensava-se que Óscar Cardozo sairia do Benfica – e ainda pode sair – por qualquer preço. Publicamente, o treinador dos encarnados foi dando indicações de que não contava com o jogador, mas a sua venda foi sendo sucessivamente adiada. Até agora.

Óscar Cardozo foi finalmente reintegrado no plantel, treinou e Jorge Jesus convocou-o para o jogo contra o Sporting. “O Cardozo está em condições”, disse o treinador. Ora, se está em condições, não compreendo que não tenha jogado de início, a não ser que Jorge Jesus quisesse fazer do paraguaio a sua arma secreta. Mas isso, como se viu, seria sempre uma aposta perdida, porque em Alvalade toda a gente conhece Óscar Cardozo, sobretudo desde os três golos que ali marcou no ano passado.