segunda-feira, 31 de março de 2014

Banalidades

É sabido, o título é aquilo que, em primeira análise, pode levar um leitor a ler uma notícia ou artigo de jornal. Ou é suficientemente forte para provocar a leitura ou o leitor passa à frente e nem sequer lê o primeiro parágrafo. É elementar, apesar de ser também estudado nas universidades e haver livros específicos sobre a matéria.

O Record de ontem dedicou as páginas centrais, espaço nobre de qualquer jornal, a uma entrevista com Miguel Lopes, o defesa-direito que o Sporting emprestou ao Lyon e que, há dias, fraturou uma perna. O jornal, que divide a entrevista em várias partes, escolheu para título da peça principal uma declaração do jogador: “Vou fazer tudo para recuperar”. 

O Futebol habituou-nos, sobretudo nos últimos dez-quinze anos, a frases desprovidas de qualquer conteúdo: “são onze contra onze”, “a bola é redonda”, “perdemos o jogo mas ganhamos uma equipa”, “já não há adversários fáceis”, “temos de levantar a cabeça”, “o grupo de trabalho é forte” são apenas uma pequeníssima amostra das banalidades que os jornalistas transcrevem diariamente e que emergiram desde que os clubes decidiram regulamentar internamente o contacto dos seus profissionais com os profissionais da Comunicação Social.

Se o jornalista não pode “inventar” declarações dos seus entrevistados e tem de limitar-se a transcrever o que lhe dizem, não é menos verdade que, no decurso de uma entrevista deverá haver alguma declaração com mais “sumo” de que uma simples banalidade. Se não houver, é porque a entrevista – ou conferência de imprensa, se for o caso – é desprovida de interesse.

Pergunto: que jornal publicaria uma entrevista cujo conteúdo pudesse resumir-se a um “vou fazer tudo para recuperar” proferido por um jogador lesionado? Estranho seria e, então, merecedor de manchete, se o mesmo jogador dissesse “pouco me importo, quero lá saber se recupero, vou mas é deixar correr a vida”. Um pouco como o caso do cão que morde o homem ser uma não-notícia. Já se for o homem a morder o cão…

Enfim, acredito que o Jornalismo em Portugal – e, se calhar, no resto do Mundo também – está a passar por uma profunda crise e a necessitar de grandes profissionais que saibam escrever mas que saibam, sobretudo, contar-nos histórias, daquelas que ouvíamos quando eramos pequenos e que nos provocavam emoções. Quando assim voltar a ser, a imprensa em geral e a desportiva em particular terá muito mais qualidade. Quanto aos títulos, seria aconselhável a leitura, por exemplo, de “Foi Você que Pediu um Bom Título?”, livro de Dinis Manuel Alves publicado em 2003 pela Quarteto. Uma conferência com o mesmo nome, dada pelo autor no Instituto Superior Miguel Torga em 2006, está disponível no Youtube.

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